DESERTUM

2011

 
 

DESERTUM

(RJ, 2006, cor, MiniDV, 80′)


 
 

SINOPSE: Estar lá é não estar aqui, é não estar em lugar algum. O tempo, os locais físicos e a distância. O estrangeiro é um ausente de si mesmo. O autor é o estrangeiro dos estrangeiros. “Estou à procura de um homem que não conheço, que nunca foi tão eu mesmo quanto desde que comecei a procurá-lo.” Edmond Jabès

FICHA TÉCNICA: Realização: Marcelo Ikeda. Câmera Adicional: Mariana Coli. Trilha Sonora: Ricardo Pretti.

 

DECLARAÇÃO DO DIRETOR: DESERTUM compõe uma trilogia de diários de viagem em longa duração, precedido por Em Casa e sucedido por Êxodo. Numa viagem a Buenos Aires, a câmera apresenta apenas o ponto de vista do autor: um olhar estrangeiro numa terra estrangeira. Dessa forma, torna-se quase um antidiário-de-viagem, afastando-se do deslumbramento do turista, para fazer imergir o espectador numa experiência outra de espaço-tempo. O misterioso final aponta para qual o sentido dessa viagem, e questiona a transformação do estrangeiro depois desse processo.

 

CARTA DE INTENÇÕES (escrita em 2006): Desertum é um longa-metragem que dialoga com o documentário para compor um trabalho de linguagem de base experimental. Realizado de forma independente, sem leis de incentivo ou apoio governamental, comprova a viabilidade das novas tecnologias digitais na realização de trabalhos que buscam uma linguagem mais livre das convenções narrativas da televisão, do cinema holywoodiano ou da publicidade.

Quase todo filmado na Argentina, com uma portátil câmera MiniDV, Desertum acompanha o olhar de um viajante, saindo de sua casa no Brasil e embarcando em viagem para a Argentina até a volta para sua cidade-natal. Filmado em uma câmera subjetiva, quase como um diário de filmagem, inspirado, por um lado, nos filmes supeoitistas de vanguarda novaiorquina dos anos setenta, especialmente os de Jonas Mekas, e, por outro, no distanciamento rigoroso de alguns documentários de Chantal Akerman, só é possível ao espectador acompanhar o olhar desse personagem, sem corpo e sem rosto, que só será mostrado ao final do filme.

Desertum é inspirado nos escritos de Edmond Jabès, pensador de origem judaica. Jabès refletiu sobre a questão do estrangeiro. Para Jabès, o estrangeiro não é apenas quem tem outra nacionalidade, quem vem de outro país, ou mesmo de outra religião, mas alguém a procura de um desconhecido (si mesmo), alguém que vive em meio a destroços e que, de fato, é de lugar nenhum. Ser estrangeiro, nesse caso, ultrapassa qualquer contingência sociocultural e ganha um contexto de intimidade: estrangeiro já é o eu a procura de um si mesmo desconhecido e que tem como fundamento o fato de ser de origem indeterminada, isto é, ter como origem o que não pode ser determinado, o desconhecido. Trata-se, por isso, de um eu ausente de si mesmo; em outras palavras, o lugar de sua presença é também um lugar de ausência, de silêncio, de desconhecimento, de indeterminação. Por isso, na poética jabesiana há a preferência por lugares distantes, solitários, por viagens, por travessias (do mar ou do deserto), isto é, por lugares ausentes, permeia todo o livro.

Para adaptar as idéias jabesianas, Desertum buscou um olhar por essa Argentina que escapasse do cartão-postal, isto é, um olhar original nesse país outro. A estética rigorosa, a ênfase no plano fixo, os locais amplos, são contrabalançados por uma música que causa um ainda maior estranhamento em relação a essa imagem, com músicas contemporâneas de autores de vanguarda como Matt Gustaffson, Nakamura, Keiju Haino, entre outros.

 
 

TEXTOS SOBRE O FILME:

Desertum – Luiz Rosemberg Filho

Desertum – Ricardo Pretti (ver 13/02/2006)

O estranho Desertum de Marcelo Ikeda – blog “O último carioca”

Diversões (?) solitárias de Marcelo Ikeda – Carlos Alberto Mattos

A viagem do fantasma – Ranieri Brandão (Filmologia)